Cultura | Euphoria, Breaking Bad e música: drogas são um produto cultural



Na arte, as drogas sempre cobram um preço, independente da sua relação com elas. Mas será que a arte já fez uma autocritica sobre sua relação prática com as drogas?

Cuidado, pode ser que o seguinte tema possa causar desconfortos.

Felicidade sintética

Fonte: Reprodução Euphoria

“Todas as drogas são uma perda de tempo. Elas destroem sua memória, seu respeito e tudo que tem a ver com a sua autoestima. Elas não são boas de forma nenhuma.” – Kurt Cobain.

Amadas pelo público e figurinhas carimbadas no Emmy, Euphoria e Breaking Bad provavelmente são as series sobre drogas mais adoradas, e cada uma com uma excelente abordagem. A jornada de Walter White em sua decadência, ou descoberta interior, é uma história muito densa. As reviravoltas e conflitos de Breaking Bad nos fazem refletir sobre nós mesmos em muitos momentos.

Apesar de Walter White ser a cara da série, a cara mais odiada provavelmente, é difícil existir fã que não tenha fortes sentimentos sobre o Jesse. Desde o começo sabemos as escolhas erradas e fardos que o personagem carrega, e mesmo tendo em mente as coisas que ele fez, é claro que o personagem machucou mais a si mesmo do que outra pessoa.

Talvez essa autodestruição de Jesse seja um ponto de encontro entre Euphoria e Breaking Bad, até porque a Rue deve ser a campanha contra as drogas mais efetiva para um jovem. Euphoria nunca diz em linhas diretas para o espectador não usar drogas, nem mesmo Breaking Bad faz isso, mas o espectador tem ciência que elas são o argumento do conflito.

Sem romantizar ou demonizar, essas duas séries mostram do seu modo apenas a realidade. É maravilhoso ver os beijos, romances, músicas e roupas de Euphoria — há uma catarse muito eficiente no ambiente da série. Mas todos sabem que isso não vai durar pra sempre. Talvez essa seja a melhor figura de linguagem entre a série e as drogas.

A realidade que não é a realidade

Fonte: Psicodelia.org

“Droga é o segundo copo de água quando o primeiro matou a sede” – Yoko Ono.

A relação da música com as drogas é um fato, não há como negar que estilos musicais transformaram essa junção em um estilo de vida. E essa afirmação não é uma demonização a algum tipo de musica especificamente, muito menos aqueles gêneros já marginalizados, como rap ou funk.

Todo estilo musical abraçou algum narcótico como estilo de vida — o trap tem o lean, o rock dos anos 60/70 tiveram o ácido, assim como sertanejo ou funk têm o álcool. Em toda festa ou show há algo para ser consumido, independe de qualquer aspecto social, jovens de qualquer lugar estão ouvindo e ingerindo as mesmas coisas.

Sendo assim, é possível concluir que em certos contextos e locais a arte e as drogas são um mesmo objeto, um produto cultural. Uma pessoa pode concluir que seus lazeres são ouvir música, beber uma cerveja e jogar algum jogo — todos esses fatores somam em um alívio que poderia ser descrito como alienação. Contudo, não é certo atacar esse tipo de hábito, pois as pessoas estão apenas vivendo e se divertindo — e nunca é certo atacar uma cultura ou modo de se descontrair. Porém, a arte e a cultura têm propósitos opostos às drogas.

Estar vivo não é o suficiente

Imagem: Era uma Vez em... Hollywood (2019)


“Eu sonho com minha pintura e pinto meu sonho.” – Vincent Van Gogh.

Uma vez meu professor de literatura disse uma coisa que mudou minha vida — em uma aula ele queria dizer o porquê dos artistas começarem a dar mais significado para sua criação, então ele disse: “a arte existe porque a vida não basta, não dá mais para pintar paisagens e retratos”.

Um filme, livro ou série não é competente só quando agrada ou diverte o fã, ele é competente quando te passa uma sensação. Se alguma vez você ficou pensando por muito tempo sobre alguma mídia, seja lá qual for o motivo, o artista que criou ela cumpriu seu papel.

O ser humano conheceu a beleza e a tristeza no mesmo instante: no momento em que sua consciência foi concebida. A vida é horrível... Mas se um filme sobre uma família judia no holocausto se chama “A Vida é Bela”, quem sou eu para compreender o propósito de estar vivo?

Se você precisa de respostas e de ajuda para estar vivo, procure ajuda e amparo médico. Porém, se você precisa de dúvidas e motivos para viver, procure a arte.

Um pensador francês chamado Pierre Chaunu comparou dois ditadores políticos com uma analogia muito boa, mas como esse é um artigo sobre cultura, vamos adaptar sua citação para o intuito dessa matéria: a arte e as drogas são gêmeos heterozigotos, duas faces de uma mesmo moeda. Ambas nascem da vontade de buscar alguma coisa. Entretanto, uma delas é uma arma poderosa de libertação, enquanto a outra é uma arma igualmente poderosa de destruição.

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