Cultura | Como Watchmen destruiu a indústria de quadrinhos

Toda boa obra de arte vanguardista traz consigo uma influencia póstuma enorme, o que não seria diferente com a EXCELENTE graphic novel Watchmen, mas será que sua influência foi tão boa quanto seu conteúdo?

 Obra-prima

Fonte: Omelete

“Desde o começo, eu queria que cada página de Watchmen fosse muito claramente uma página de Watchmen, e não de qualquer outro quadrinho. De forma perversa, quanto mais íamos contra o esquema Marvel de desenhar, mais ficávamos contentes.” – Alan Moore.

Vencedora de quatro prêmios Eisner, Hugo de literatura, presença em listas de melhores romances, entre outros reconhecimentos, Watchmen é um marco para a história dos quadrinhos. Entretanto, isso não foi um mero acaso, Watchmen se fez especial em todos os aspectos que construíram a obra.

Desde suas histórias na DC com o Monstro do Pântano, Moore já havia experimentado diversos temas, linguagens e desenhos. A confiança em Moore era tanta que, no fim da era de ouro dos quadrinhos, a DC Comics escolhe Alan Moore como roteirista da história do Superman que fecharia essa era.

Então, em setembro de 1986, a DC começava a publicação de Watchmen – uma graphic novel de 12 capítulos com roteiro de Alan Moore e ilustrações de Dave Gibbons. A história era focada em um universo sombrio, com heróis e situações sociopolíticas muito densas e reais – o que era uma subversão à época. Watchmen desde sua primeira página desconstrói o que era comum de quadrinhos de super- heróis até então. Seus traços são inspirados em artes fora do nicho – como o desenhista Wally Wood – sua formatação de quadros e páginas eram inspirados em modelos europeus e seus super-heróis estavam muito longe de serem “os mocinhos”.

Assim, Watchmen desconstruía muito bem o gênero de quadrinhos. Diversas vezes seus personagens são colocados em conflitos éticos – a importância da responsabilidade dos atos de seus personagens são discutidas constantemente, a função de heróis em tramas políticas entre governos são questionadas, fora o peso que tais situações trazem para a vida pessoal dos “super-heróis” da série. É fato que Watchmen mudou a visão sobre heróis, os termos “anti-herói” e “quadrinhos sombrios” são outros depois de Watchmen.

Entretanto, toda essa aclamação trouxe diversos fãs para a HQ – como também trouxe diversos interessados em replicar o que o quadrinho fez. Toda editora queria ter seu Watchmen, e todo artista queria também desconstruir os super-heróis. Porém, nem todos são Alan Moore.

A subversão se torna status quo

Fonte: Polygon

“Tem havido, nos anos que se seguiram ao lançamento de Watchmen, uma grande quantidade de quadrinhos devotados a essas histórias violentas, pessimistas, sujas e soturnas. As quais meio que fazem uso de Watchmen para validar o que são. Com efeito normalmente histórias bem desagradáveis, que não tem grande conteúdo. Parece que a existência de Watchmen havia dominado a indústria de quadrinhos mainstream, com algo em torno de 20 anos de histórias pretensiosas, em geral sombrias, incapazes de contornar o bloco maciço que Watchmen havia se tornado. Embora essa nunca tenha sido minha intenção com a obra.” - Alan Moore

Após diversas tentativas de editoras e artistas emplacares “seus Watchmens”, agregado aos desentendimentos que Moore teve com a DC Comics, Alan deixou de produzir histórias de super-heróis – se dedicando a quadrinhos do circuito mais underground. O melhor roteirista da história dos quadrinhos foi comido pelo seu impacto.

Essa relação de Moore com a indústria de quadrinhos é um aprendizado sobre originalidade e identidade para artistas – não importa o quanto você é fã e ama uma obra, ela já foi escrita por outra mente. As pessoas estavam tão interessadas em repetir a desconstrução que Watchmen fez que acabaram, não intencionalmente, criando uma nova construção pretensiosa sobre quadrinhos.

O fenômeno de heróis sombrios, que ultrapassou até mesmo a barreira da HQ, causou uma confusão na essência de um super-herói. A primeira edição da Action Comics traz um Superman que protege mulheres de agressores, bate em políticos corruptos e, ademais, traz um símbolo de esperança para o povo. A crítica dos anti-heróis não seria nada sem o símbolo dos super-heróis - a indústria das HQs se perde ao desrespeitar o legado, tanto do Alan Moore, quanto dos roteiristas e desenhistas clássicos que  criaram os heróis que tanto gostamos.

“Eu gostaria de ter visto mais pessoas tentando fazer algo que fosse tecnicamente mais complexo que Watchmen, ou tão ambicioso, mas que não tocassem tão repetitivamente os mesmos acordes que ela dedilhou.” – Alan Moore.

Somente anos depois autores, como Grant Morrison com Grandes Astros: Superman, conseguiram fazer a desconstrução da desconstrução de Watchmen.

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