Crítica | "Meu Pai" amplia a imersão ao deslocar o ponto de vista



"Meu Pai" chega tarde na corrida do Oscar, mas não decepciona ao conduzir a história de Anthony, um senhor cuja consciência está sendo gradativamente deteriorada pela velhice.

“Meu Pai” é mais um filme dessa temporada de premiação que possui um estreante na direção. Florian Zeller é um escritor e dramaturgo francês que criou em 2012 a peça “Le Pére” que daria origem ao filme adaptado. O espetáculo foi um grande sucesso que levou, em 2014, o Prêmio Molière por Melhor Peça, o que impulsionou a montagem em New York, onde marcou presença no Tony Awards de 2016. A grande aclamação dos palcos se transferiu para as telas com primor da direção de Zeller e a ambição certeira (tanta que o diretor mudou o nome do personagem para o mesmo do ator) na escalação de Anthony Hopkins como o protagonista.

Começamos a história com Anne (Olívia Colman) indo visitar seu pai, o octogenário Anthony (Anthony Hopkins), para contar que se mudaria para Paris e não poderia mais estar disponível para lhe ajudar frequentemente, então ele deveria se dar bem com sua futura cuidadora. A declaração gera uma tensão, pois é revelado que aquele senhor não lida bem com ajuda, já possuindo um histórico de desavenças com outras enfermeiras contratadas, o que deixa implícito a clínica de idosos como uma opção. A partir disso, Anthony tenta nos convencer que sua filha está exagerando sobre sua condição, mas logo tudo começa a ficar confuso quando figuras do passado aparecem e o confrontam sobre sua vida e sua relação com Anne, sua filha aparece sendo interpretada por Olivia Williams e a passagem do tempo vai perdendo sua linearidade. Em uma busca de autoconhecimento que está cada vez mais na contramão do protagonista, o espectador vivencia sua frustração, angústia e tristeza.

Durante a última década, vimos alguns exemplos de filmes que trabalharam o tema de perda de memória e deterioração da consciência, seja pelo processo de velhice como em “A Dama de Ferro” (2011) ou por uma doença como em “Para Sempre Alice” (2014). Embora em ambos os casos o Oscar de Melhor Atriz tenha contemplado as performances de tais produções, os filmes em si não despertaram a atenção do público e da crítica. Porém, no caso de Zeller, ocorre o rompimento da praticidade de somente entregar um filme de ator para ir além e trabalhar com a própria estrutura, colocando o espectador no mesmo ponto de vista de Anthony. Dessa forma, não nos sentimentos como analista de uma condição mental em que a atuação vai nos levar a um nível de empatia pela obra, na verdade, criamos um elo com a personagem por experienciarmos sua demência, ou seja, até o momento final em que tudo é revelado, vivenciamos o mix de confusão assim como o protagonista.


Para transmitir essa ideia de deterioração da consciência de forma tão interessante e imersiva, além de contar com as atuações carregadas de emoção e versatilidade de Hopkins e Colman, Zeller utiliza a troca de atores para os mesmos personagens, exceto Anthony, para indicar a confusão do protagonista sobre as pessoas ao seu redor e alia sua visão com a de Peter Francis, o diretor de arte, para utilizarem a linguagem do ambiente como o grande trunfo da experiência. A maior parte do longa se desdobra por um apartamento, mas dependendo do estado mental em que Anthony se encontra, esse local sutilmente muda, o que gera uma mescla entre o seu antigo lar, a casa de sua filha e seu dormitório na clínica de idosos. As mudanças são sobretudo eficientes, através delas subtramas ganham força sem precisarem ser verbalizadas, aprimorando a imersão na história.

No final, a mensagem do filme é clara: o fim da vida é semelhante a seu começo. O elo entre a infância e a velhice é exposta melodramaticamente pela forte atuação e expressão corporal de Hopkins aliadas às posições da câmera que parecem desnudar o personagem, tornando-o cada vez mais vulnerável. Exige sensibilidade para conseguir como resultado final um paralelo entre um senhor em seus 80 anos e um bebê, mas Zeller através de imagens consegue transmitir que ambos não possuem certeza do ambiente em que estão inseridos e isso os aterroriza, eles não sabem mais quem são realmente e precisam de alguém para garantir seus cuidados. Seja uma mãe, seja uma enfermeira.

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